Nutrição, Metabolismo e Exercício
Prof Dr Reury Frank Pereira Bacurau
Intervenção

Os fatos expostos acima são de suma importância uma vez que indivíduos interessados em aumentar o desempenho físico em diferentes tipos de exercício frequentemente se valem de estratégias nutricionais elaboradas com base em mecanismos metabólicos. Além disso, estudos demonstram a existência de três barreiras capazes de afetar o desempenho físico sendo uma delas de natureza metabólica (Williams, 1998). Apesar disso, aspectos importantes relacionados à performance como a evolução dos recordes olímpicos não pode ser associada à Nutrição (McArdle, 2001).
O metabolismo pode ser analisado quanto a seu controle e sua regulação. Por controle entende-se a capacidade de um sistema de mudar o estado do metabolismo em resposta a um sinal externo e regulação pode ser entendida como a capacidade desse mesmo sistema manter alguma variável constante ao longo do tempo apesar das variações nas condições externas. Os mecanismos por meio dos quais um sistema obtém regulação e controle podem ser divididos em três grupos em termos temporais. As escalas de longo prazo (da ordem de horas a dias em eucariotos) envolvem o controle da quantidade de enzimas por meio da taxa/grau de expressão gênica e também por meio da taxa de degradação enzimática (menos conhecido dos dois). As escalas de médio prazo (da ordem de minutos a poucos segundos) atuam principalmente por meio da ativação e desativação cíclica de enzimas por meio de modificações covalentes. As escalas de curto prazo (segundos ou menos) atuam por meio a ligação reversível de metabólitos a enzimas causando efeitos tais como inibição e ativação alostérica. Promover a utilização de estratégias nutricionais para aumento do desempenho por meio do controle e regulação do metabolismo significa crer que os nutrientes são capazes de afetar essas escalas temporais.
Do ponto de vista prático três fatores devem ser considerados na análise de um plano alimentar. A quantidade a ser consumida de determinado nutriente (quanto), a qualidade (que tipo) e por último o tempo (consumo de nutrientes em horários particulares do dia) (Volek, 2004).
Particularmente o último aspecto da análise, o momento de consumo de nutrientes, vem sendo utilizado para justificar os possíveis mecanismos de atuação por meio dos quais os nutrientes afetam o desempenho. Tais suposições não encontram total respaldo em diversos tipos de estudos sobre o papel dos nutrientes no exercício. Muitos métodos para o estudo do metabolismo não exploram o metabolismo com base na diferença temporal de ocorrência de seus eventos. A utilização de creatina fosfato, por exemplo, é tão rápida que mesmo um procedimento de extração da ordem de aproximadamente 100 milisegundos não é capaz de acompanhá-la (Chung et al., 1998).
Da mesma forma, Shulman e Rothman (2001) destacam que apesar do intenso estudo bioquímico, a via de produção de energia no músculo esquelético a partir da glicose não é entendida por completo. Sabe-se que concentrações elevadas de glicogênio melhoram o desempenho de endurance e que a depleção dessa reserva freqüentemente está associada à fadiga. Mas ainda não foi explicada a necessidade específica de glicogênio especialmente na presença de concentrações adequadas de glicose na corrente sanguínea. Também não foi estabelecida nenhuma conexão específica entre as concentrações de glicogênio com a fadiga. Vale lembrar que o efeito dos carboidratos no desempenho de endurance é considerado um dos mais bem estabelecidos na Nutrição Esportiva.
Recentemente outra prática tem sido relacionada com as escalas temporais do metabolismo. Há uma tendência crescente de se especular os efeitos do consumo de nutrientes em longo prazo a partir de dados obtidos nas escalas de curto e médio prazo (Volek, 2004). No âmbito do treinamento de força, por exemplo, vem sendo amplamente divulgado que o consumo de determinados nutrientes ao término do exercício é capaz de ativar processos que caracterizam a criação de um ambiente anabólico pós-treino e que isso resulta em ganhos de adaptação (ex. consumir aminoácidos e proteínas o mais rápido possível ao término do exercício para aumentar a hipertrofia muscular). Vale lembrar, entretanto, nenhum estudo documentou uma visão completa das adaptações longitudinais nas vias de adaptação (Volek, 2004). Dessa forma, apesar da crença amplamente difundida não está demonstrado de forma inequívoca que a otimização de processos metabólicos pós-exercício (ex. síntese protéica) possa resultar em ganhos adaptativos. A taxa desses processos pode apresentar redução nas horas que se seguem ao exercício, como alías já foi demonstrado que ocorre para os carboidratos. Tal observação apresenta importância vital na decisão de que estratégia utilizar para repor o glicogênio muscular em função de quando ocorrerá o próximo treino (Ivy, 2000).
Também a especulação quanto ao perfil de utilização de substratos energéticos (metabolismo predominantemente de carboidratos ou ácidos graxos) preenche o imaginário de profissionais de nossa área que insistem em extrapolar tais processos às posteriores modificações na composição corporal (novamente processos de curto e médio prazo sendo extrapolados quanto a seus efeitos no longo prazo). Diversos livros textos insistem que a oxidação de gordura no exercício é fundamental na promoção do processo de emagrecimento (vide livros de nutrição e fisiologia do exercício publicados em nossa língua) enquanto que diversas evidências demonstram que a capacidade de síntese de novo de ácidos graxos no fígado de seres humanos não constitui uma via metabólica de grande importância (Dionne and Tremblay 2000; Manore, 2000).
Por outro lado, o atual modismo nutricional nos Estados Unidos e Europa é o consumo de produtos “low-carb” (baixo teor de carboidratos) e a retomada da dieta de Atkins como forma de impedir a obesidade. Nesse sentido, vem sendo proposta a adoção de dietas com predominância de alimentos com médio e baixo índice glicêmico (um índice por si só de validade discutível). Informação essa que aparentemente vem contra as evidências sobre síntese de novo de ácidos graxos em seres humanos.
Considerando tudo isso parece que estamos diante do velho dilema proposto pelas fábulas infantis: qual a moral da história? Talvez a moral seja perceber que apesar do advento da biologia molecular ter obscurecido áreas tradicionais da bioquímica tais como metabolismo, regulação metabólica, enzimologia e desta estar fora de moda, o papel dos nutrientes no metabolismo está longe de ser totalmente conhecido. Dessa forma, a atual e desenfreada prática de estabelecer mecanismos metabólicos para justificar o uso de dietas e suplementos esportivos deve ser repensada, pois mesmo entre os pesquisadores existem sérias dúvidas quanto ao funcionamento de determinadas práticas nutricionais. Um exemplo claro disso, é o artigo publicado no Professionalization in Exercise Physiology Online assinado por Kreider e colaboradores (2003) em resposta aos Membros da American Society of Exercise Physiology (ASEP) que são contra suplementos esportivos (considerando seu uso até mesmo antiético e passível de punição pela sociedade).
O estudo do controle e da regulação do metabolismo certamente pode fornecer informações fundamentais para o entendimento crescente do papel da nutrição no exercício e na saúde. Porém, aos mais afoitos é importante lembrar que as próprias teorias nas quais se baseam os conceitos sobre metabolismo podem (em função de seu reducionismo excessivo) não explicar satisfatoriamente muito do que se conhece a respeito da eficiência (ou não) dos nutrientes no exercício. Identificar que determinado nutriente é o substrato de alguma enzima-chave e daí extrapolar resultados a curto, médio e longo prazo em relação à performance/saúde pode resultar muito mais em erro do que acerto.
Referências Bibliográficas
Chung, Y.; Sharman, R.; Carlsen, R.; Unger, S.W.; Larson, D. and Jue, T. (1998). Am. J. Phsyiol., 274, C846-C852.
Dionne, I. and Tremblay, A. Human Energy and Nutrient Balance. In: PhysicalActivity and Obesity. Human Kinetics, Champain, pp. 151, 2001.
Fell, D. Introduction: regulation and control. In: Understanding the Control of Metabolism. Portland Press, London, pp. 1-21, 1997.
Ivy, J.L. Optimization of Glycogen Stores. In: Nutrition in Sport. R.J. Maughan, Ed. Blackwell Science, pp. 97, 2000.
Kreider, R.B. et al (2003). Exercise & Sport Nutrition: A Balanced Perspective for Exercise Physiologists. Professionalization in Exercise Physiology Online, July 14.
Manore, M.M. The Overweight Athlete. In: Nutrition in Sport. R.J. Maughan, Ed. Blackwell Science, pp. 469, 2000.
McArdle, W.D.; Katch, F.L. and Katch, V.L. Introdução. In: Nutrição para o desporto e o exercício. Guanabara Koogan, Rio de Janeiro, pp. xviii, 2001.
Shulman, R.G. and Rothman, D.L. (2001). The “glycogen shunt” in exercising muscle: A role for glycogen in muscle energetics and fatigue. PNAS, 2, v. 98, pp. 457-461.
Volek, J.S. (2004). Influence of Nutrition on Responses to Resistance Training. Med. Sci. Sports Exercise, n 4, pp. 689-696.
Williams, M.H. Factors limiting Sports Performance. In: The Ergogenics Edge. Human Kinetics, Champain, pp. 1, 1998.
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